sábado, 22 de março de 2008

GALO 100 ANOS - POR ROBERTA DE OLIVEIRA

O ser humano é realmente um ser incrível. Sua capacidade de adaptação é impressionante. Não importa quantas adversidades ele tenha que passar durante sua passagem na Terra, ele sempre arruma uma maneira de seguir em frente. Nem sempre ele tem um objetivo, uma meta a ser cumprida, um ideal a ser seguido. Alguns sequer têm a oportunidade de conhecer uma maneira mais cômoda de viver neste planeta. Mas basta algum contratempo para que ele encontre forças, nos lugares mais profundos e inexplicáveis de dentro dele, que o motiva a sobreviver.

E o brasileiro, dentre todos os seres humanos da Terra, talvez seja o exemplo mais puro desta capacidade de adaptação, desta constante necessidade de mudança que o ser humano apresenta. E que deverá perdurar enquanto aqui estivermos. O “jeitinho” brasileiro nos manterá por milhares de anos aqui na Terra. Porque, apesar das adversidades e da necessidade urgente de se adaptar a elas, a gente ainda consegue festejar e ver, antes de tudo, uma oportunidade. É a capacidade do brasileiro de ver sempre o lado bom da vida em tudo que nos torna seres humanos especiais. Que sonham com coisas impossíveis e, às vezes, arrumam um jeitinho de fazê-las acontecer.
E foi assim, há cem anos atrás, no Parque Municipal de Belo Horizonte, que alguns garotos sonharam em montar um time de futebol. Eles não tinham bola, não tinham campo, também não tinham muita idéia de como se jogava o tal do “football”, esporte recém-chegado ao Brasil. Mas eles tinham um sonho. E não descansaram enquanto não o tornaram realidade. A paixão com que estes meninos se dedicaram a fundar um tal de Clube Atlético Mineiro logo contagiou a cidade. E não demorou muito até que aparecessem alguns malucos para ajudar. Uns postes velhos como trave, um espaço qualquer pra servir de campinho, as mães costurando as primeiras camisas alvi-negras... Tudo, obviamente, era muito precário, mas nada tinha tanto valor quanto a paixão contagiante destes meninos. E assim é até nossos dias.

É a paixão que move o atleticano. Este ser humano que nunca conseguirá explicar o que o Galo representa para sua vida, tamanho o amor que sente por ele. Um ser humano que coleciona histórias de lutas e glórias, que sabe rir das adversidades, que jamais desiste do seu amor por mais decepções e tristezas ele lhe traga. Um ser único, capaz de causar espanto e inveja até nos ditos adversários no futebol. Que foi capaz de aplaudir e cantar o Hino do Clube quando ele caiu com a mesma paixão incondicional que ele cantou quando o time voltou à Série A do Brasileiro.
O atleticano coleciona ídolos. E, durante vários momentos nestes cem anos, os carregou nos ombros. Os atleticanos embalam seus ídolos com seu canto nas arquibancadas. Eles sabem mais que qualquer brasileiro o que é respeitar e honrar a camisa do Clube Atlético Mineiro e também sabem reconhecer, de longe, quando um jogador se emociona ao entrar em campo ao som do Hino.

Talvez por isso, quando nem o narrador do jogo acredita mais na vitória do Galo, a torcida começa a cantar mais alto: “Vencer, vencer, vencer: este é o nosso ideal” e, mais adiante: “Lutar, lutar, lutar com muita raça e orgulho pra vencer”. O Mineirão se transforma um campo de Guerra. O coração bate mais forte, os olhos vidrados no jogo. O atleticano não desiste. Como nas lendas do Rei Artur, eles são como aqueles malucos que entravam pra guerra cantando, batendo nos escudos, para viver ou morrer por um ideal.

Quantas vezes eu mesma já não presenciei momentos mágicos como este, em que o Galo virou o jogo com a força que emanava das arquibancadas! Cada instante como sendo único (e qual não é?), como sendo o último. E quantos jogos o Galo já não virou aos quarenta e tantos do segundo tempo? E, mesmo que o jogo não termine da maneira como esperávamos, a sensação de ter pelo menos lutado, de ter se entregado durante todos aqueles minutos, com todos os sentimentos conhecidos pelo homem percorrendo suas veias, não tem quem tire.

Não tem juiz, não tem cartão, não tem Flamengo, São Paulo, Botafogo que sejam capazes de nos convencer de que aqueles campeonatos eram deles e não nossos. Não existe time europeu, não existe Seleção que seja melhor ou mais competente que nosso Galo. Nós já ganhamos até da Seleção Brasileira em 1969!

Somos cegos, vocês dirão. O Galo quase não tem títulos pra ostentar, o Galo não tem time que o represente e honre sua história em pleno ano de seu Centenário, faz anos que não contamos com uma diretoria decente e que estamos afundados em dívidas. Não sabemos negociar jogadores, não sabemos planejar um futuro decente, não temos estádio, mas temos um centro de treinamento que chamamos de Cidade do Galo.
E temos paixão. E já disseram incontáveis vezes por aí que a paixão é cega. Pode até ser. Mas o atleticano, antes de tudo entende (ou tenta entender) que ganhar ou perder faz parte da vida e que tudo faz parte do jogo (por mais taquicardias a gente tenha durante os 105 minutos). Não ficaremos mais belos, mais ricos, e nem sempre um jogo ou um campeonato vai acrescentar nada na nossa experiência de vida.

O atleticano coleciona emoções. Porque sabe que a vida é feita apenas de emoções, de sentimentos. Das experiências únicas como a de ver seu time virar um jogo praticamente perdido, como a de receber um ídolo no aeroporto e carregá-lo nos ombros ou apenas de cantar o Hino e sentir o corpo todo arrepiar.

Para o atleticano, não importa tanto ganhar ou perder. Importa estar presente quando seu time entrar em campo, por pior que seja a fase dele no campeonato da vez. Importa continuar acreditando. Importa apenas sonhar. E ser feliz apenas por ter a capacidade de sonhar, de lutar pelo ideal de vencer.

Que me desculpem as torcidas da Juve, do Boca ou do Corinthians, conhecidas mundialmente por seu fanatismo, mas a torcida mais apaixonada do mundo é a do Galo. Porque ama seu time mesmo sabendo que ele não tem títulos e talvez demore ainda mais algumas décadas para que ele lhes traga algum troféu bacana para colocar no hall de entrada da Sede.

Porque ele sabe que ainda existem pessoas na diretoria que faltam com respeito à história de seu time, que falam demais ou prometem coisas que não podem cumprir, que brincam com suas esperanças. Porque ele sabe que seus ídolos não são eternos e o quanto é duro viver de passado, viver de ilusão. E mesmo assim ele não abandona seu amor. Porque se o fizer, é a si mesmo que ele estará abandonando.

A história do Galo se confunde com a própria história do atleticano. Então, por mais das vezes cansado, pressionado, por mais capenga que este ser (se podemos assim chamar um clube de futebol) se apresente às vésperas de seu Centenário, ele é nossa razão de viver. E isto justifica tudo. Justifica, inclusive, esperar mais cem anos para vê-lo no topo. No topo dos outros, porque para nós ele sempre esteve lá.
Roberta de Oliveira

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